27/11/09

A longa noite dos bancos mortos-vivos.

Não há meio do esqueleto do BPP sair do armário do Estado. O Governo prepara-se para renovar o aval ao empréstimo ao banco, que assim agoniza em prestações de seis em seis meses. O BPN devia ter sido salvo e não faliu. O BPP devia ter falido e foi salvo. Sobram dois buracos, a tapar com o mais silencioso dinheiro do mundo: o de contribuinte.

Passou mais de um ano. O Governo teve o primeiro instinto correcto, quando disse que o BPP não tinha risco sistémico e que teria de ser resolvido entre accionistas e clientes. Entre aldrabões e aldrabados. Depois de mudou de opinião. Avalizou um empréstimo. E nunca mais se livrou do problema. Nem livra.

Oficialmente, o Governo decidiu avalizar 450 milhões porque não corria riscos: tinha como garantia um conjunto de activos que, dizia, valem até mais - 600 milhões. Mas a "biografia não autorizada" desta intervenção conta outra história: o Governo interveio depois de saber que o BPP tinha clientes especiais. Não por serem muito ricos. Alguns por serem muito pobres.

Santuários religiosos. E centenas de milhões de euros de agricultores, depositados em caixas agrícolas que tinham caído no encantamento dos aprendizes de Rendeiro. Se estes agricultores tivessem perdido o seu dinheiro, não viriam à capital com cartazes e chapéus de cowboy. Gritariam como índios, montados em tractores e munidos de enxadas.

Avalizando um empréstimo, o Governo e a administração de Adão da Fonseca salvaram quem ainda hoje não sonha ter estado à beira da ruína. Mas privilegiaram alguns clientes. Prejudicando os demais. Incluindo aqueles que estavam na primeira linha de salvação. Os maiores credores do império do engano: os clientes do retorno absoluto. Até agora, absolutamente zero. Para mais, ainda apareceram dívidas das sociedades-veículo dos investimentos dos clientes. Dívidas que, assim, passaram a ser... dos clientes. A contabilidade é correcta. Mas revoltante.

E bizarra: se o BPP tivesse falido, estes clientes teriam ao menos disputado a massa falida. Mas, agora, pode não sobrar massa falida, se for verdade que ela foi encaminhada para esses clientes especiais. Nesse caso, os clientes podem queixar-se de desvio do seu dinheiro.

A salvação selectiva de clientes pode ter sido ilegal. Foi, certamente, imoral. Os chapéus de cowboy estão nas cabeças erradas: os clientes que os usam são, afinal, os que estão a ser toureados. É o jogo do passa-ao-outro-e-não-ao-mesmo, que Governo, administração, Banco de Portugal e CMVM badalam ante a estranheza de Bruxelas, que já não entende as razões de um aval a este zombie.

A razão é de que o Estado não quer entrar mais nem consegue sair do problema. Se retira o aval, o banco cai e os clientes acusam o Estado Português e a administração de ilegalidade na salvação dos clientes. Mantendo o aval, precisa que alguém tome conta do banco. Mas mesmo Duarte d'Orey, que agora sobe a parada para ficar no BPP, só fica se o Estado assumir prejuízos. Orey não quer um buraco, quer a licença para ser banqueiro que já uma vez pediu ao Banco de Portugal, sem sucesso.

Mais depressa apodrece o caixão encomendado que o BPP, que lhe estava destinado. O Estado está intimado a ficar com o buraco. É muito menor que o do BPN. Mas é muito mais asqueroso ter de pagá-lo. Algures em Sintra, João Rendeiro continuará a sorrir.


Pedro Santos Guerreiro

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