23/03/05

Do jornal Público.

Ministros de Santana adjudicam sistema de comunicações três dias após as eleições
23.03.2005 - 07h55 :

O ex-ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, assinou um despacho conjunto com o responsável pela pasta das Finanças, Bagão Félix, três dias após as eleições legislativas, adjudicando um sistema de comunicações, no valor de mais de 500 milhões de euros, a um consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), uma holding para a qual o próprio Daniel Sanches trabalhou, antes de integrar o Governo de Santana Lopes.
Manuel Dias Loureiro, deputado do PSD e presidente da mesa do congresso, também está ligado a este grupo como administrador não executivo. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, Oliveira e Costa é o presidente da SLN.
A adjudicação do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) - uma infra-estrutura de comunicações móveis, que permitirá a interligação entre as várias forças de segurança, a emergência médica e a protecção civil - foi assinada no dia 23 de Fevereiro. O processo de escolha da empresa, que irá assegurar a rede durante pelo menos 15 anos, já tem um vasto currículo de polémicas.
Em Julho de 2003, o Governo convidou cinco empresas de telecomunicações a apresentar propostas a este meganegócio, mas apenas o consórcio vencedor enviou um projecto. Depois de terem pago 15 mil euros pelo programa de procedimentos, os restantes participantes desistiram, alguns alegando que o concursos estava previamente decidido.
O despacho de adjudicação foi publicado no Diário da República de 9 de Março. Neste documento, refere-se que o adiamento da adjudicação "poderia causar inevitáveis atrasos na implementação do SIRESP, comprometendo irremediavelmente a sua conclusão" no prazo estabelecido por uma resolução do Conselho de Ministros de 2003.
Essa mesma decisão determinava que o sistema deveria ser instalado em duas fases, ao longo de seis anos. A primeira, a executar entre 2003 e 2004, incluiria a instalação de estações de base e de toda a infra-estrutura básica em oito zonas urbanas, que iriam receber o Euro 2004. A fase seguinte seria concluída até 2008. A primeira etapa não chegou a ser cumprida, não tendo o sistema servido de base operacional a qualquer das entidades que garantiu a segurança e o socorro no Europeu de futebol.
Adjudicação é provisória
O PÚBLICO tentou contactar, sem sucesso, o ex-ministro Daniel Sanches, que se encontra de férias. Na impossibilidade de obter um comentário do governante, Fátima Franco, ex-assessora de imprensa do ex-titular da pasta da Administração Interna, explicou que a adjudicação foi feita a título "provisório", sendo "susceptível de revogação imediata". A assessora adiantou ainda que o contrato com o consórcio vencedor ainda não foi assinado e justificou a data da decisão, já depois das eleições, com o facto de se tratar de um processo "urgente". Já a ex-adjunta do ministro Bagão Félix, Jacinta Oliveira, contactada pelo PÚBLICO, apenas referiu que a questão já tinha sido levantada há duas semanas por um órgão de comunicação social e que nessa altura a resposta oficial foi que o assunto se tratava de uma "matéria substantiva do Ministério da Administração Interna".
Dias Loureiro, administrador não executivo da SLN, sublinha em declarações ao PÚBLICO, que não está ao corrente do que se passa com o processo e que acredita que o Governo tomou uma decisão que cumpre os requisitos de legalidade. Confirma que Sanches trabalhou para a SLN, como administrador da Pleiade (uma sub-holding do grupo) e de outras empresas deste universo, antes de integrar o Executivo de Santana, mas insiste na seriedade do ex-governante. "Daniel Sanches é uma pessoa integra e séria. Se tomou essa decisão é porque achou que a podia tomar", sustentou Dias Loureiro, que já foi accionista da SLN.
Preço reduzido em 200 milhões de euros
Num primeiro contacto com o PÚBLICO, o ex-ministro ministro da Administração Interna de Cavaco Silva não soube precisar se ainda detinha qualquer quota na SLN, acabando por completar, numa segunda conversa, que já não possuía acções da holding de que é administrador não executivo. Insistiu em referir que é presidente da Ericsson, a principal concorrente da Motorola - esta última empresa também faz parte do consórcio.
Contactada pelo PÚBLICO a SLN, que detém um total de 43 por cento do consórcio - 33 por cento através da holding e quase 10 por cento através da Datacomp, uma empresa do grupo -, enviou um resposta escrita, explicando que o projecto se integra numa parceria público-privada, que incluiu a concessão da rede por 15 anos. A empresa especifica que o SIRESP levará três anos e meio a concretizar, contabiliza um investimento global de 115 milhões de euros e será usado por 55 mil utilizadores de sete organizações: PSP, GNR, PJ, INEM, Cruz Vermelha, Marinha, Direcção-Geral das Florestas.
O montante referido não corresponde, no entanto, ao valor global do sistema, que está contabilizado por uma comissão independente em 538,2 milhões de euros. Esta comissão de avaliação, que emitiu um relatório final a 16 de Fevereiro, obrigou o consórcio, composto pela SLN, pela PT Venture (30,1 por cento), Motorola (14,9 por cento) e Esegur (uma empresa do grupo Espírito Santo que detém 12 por cento), a rever as suas condições, por considerá-las insatisfatórias do ponto de vista do interesse público. O preço foi um dos itens alterados, sendo reduzido em cerca de um terço, ou seja, menos 200 milhões de euros. Também foram introduzidas modificações técnicas no projecto e acrescentadas cláusulas que permitem o Estado acautelar situações de incumprimento. Os níveis de penalizações ao consórcio, no caso de inoperacionalidade da rede, também foram alterados em alta, já que foram considerados insuficientes pela comissão.
João Pires, um porta-voz do actual ministro da Administração Interna, António Costa, assegurou que o processo está a ser analisado pelo governante, sem adiantar mais pormenores.
O PÚBLICO contactou três das quatro empresas que desistiram do concurso. A Siemens precisou que não tinha comentários a fazer e a Nokia não respondeu. A Elocom, ligada à EADS, uma das concorrentes, explicou que não teve envolvimento directo no processo, remetendo explicações para os escritórios franceses da companhia.

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