A onda de violência que começou nos subúrbios de Paris e já alastrou a outras cidades francesas levanta várias questões. Enquanto uns já falam num novo Maio de 68, outros atribuem os confrontos a grupos de vândalos organizados. Mas todos concordam que esta "guerrilha urbana" prova o falhanço do modelo de integração francês.
1-O que desencadeou a violência? Quinta-feira, 27 de Outubro, dois jovens de origem africana morreram electrocutados quando se esconderam num gerador eléctrico. Testemunhas garantem que os rapazes, de 15 e 17 anos, estavam a fugir à polícia, uma versão desmentida pelas autoridades. A 30 de Outubro, na terceira noite de protestos nas ruas de Clichy-sous-Bois, onde os adolescentes viviam, uma granada de gás lacrimogéneo, alegadamente lançada pela polícia, foi atirada para o interior da mesquita. O incidente trouxe a questão religiosa para os protestos.
2-Quem está por detrás dos confrontos? A revolta começou de forma desordenada, mas, à medida que os dias passavam, foi-se organizando. Os manifestantes, dirigidos por líderes locais, conhecem bem os bairros. Estes kaids, que controlam o tráfico de droga e de mercadorias roubadas, estão a "recrutar" jovens para defender os seus interesses. A maior parte dos manifestantes tem de 14 a 20 anos e é de origem africana, sobretudo magrebina. Segundo o diário espanhol El Mundo, estes jovens constituem "o exército ideal para os chefes das mafias que usam o descontentamento social para instrumentalizar esta guerrilha urbana".
3-Qual é a situação nos subúrbios? Nos bairros problemáticos em torno das grandes cidades francesas, o desemprego é muito elevado, tal como o insucesso escolar. Habitadas sobretudo por imigrantes, as banlieues são terreno fértil para a violência e as economias paralelas. A pobreza e sentimento de exclusão levam muitos jovens a revoltar-se contra o Governo - que acusam de os ter abandonado - e a considerar os polícias como "invasores". Segundo o Libération, os problemas "não vêm todos do Governo, revelam também uma sociedade incapaz de garantir a segurança e facilitar o acesso ao primeiro emprego" a estes jovens.
4-Como se chegou a esta situação nestes bairros? Os autarcas dos subúrbios acusam o Governo de ter cortado os 300 milhões de euros de fundos públicos destinados a estratégias de coesão social e à construção de novos alojamentos nas suas cidades. A imprensa europeia vê na violência urbana um sinal inequívoco do fracasso do modelo de integração francês. O chefe da diplomacia, Philippe Douste-Blazy, admitiu que a França se arrisca a "perder a batalha da integração" a favor da "radicalização religiosa". Em editorial, o New York Times afirmou que "os franceses podem menosprezar a política multiculturalista britânica, mas estes motins confirmam o fracasso da sua política de assimilação". A violência urbana veio relançar o debate sobre o regresso a uma polícia de proximidade. Esta a solução é defendida pela União Nacional dos Sindicatos Autónomos (UNSA) da Polícia para "garantir a prevenção nos subúrbios", explicou ao Le Monde o secretário nacional da UNSA, Marc Gautron.
5-Que papel desempenha o radicalismo islamita na presente crise? Nos últimos anos, o radicalismo islamita ganhou terreno nos subúrbios devido à frustração e desespero dos jovens que aí vivem. Sem nada a perder, estes vêem a religião como elemento unificador. A granada lançada para o interior de uma mesquita foi considerada pelos extremistas como uma agressão religiosa e usada como pretexto para a rebelião urbana de muitos radicais. Os moderados, por seu lado, apelaram à calma. Foi o caso de Larbi Kerchat, imã de uma mesquita de Paris, que condenou a violência, classificando os jovens que a praticam como "malfeitores". Na sexta-feira, a polícia garantia não haver "uma mão islamita" por trás dos confrontos dos últimos dias.
6-Existe o perigo de a violência urbana se tornar um problema à escala nacional? Já alastrou a várias cidades. Lille, Toulouse, Estrasburgo, Marselha e Dijon foram "contagiadas" pelos tumultos, que tiveram início nos arredores de Paris. Os subúrbios das grandes cidades francesas partilham com os da capital os problemas de desemprego e pobreza.
7-Porque é que os manifestantes pedem a demissão de Sarkozy? Defensor dos métodos repressivos e da política de "tolerância zero" para controlar os motins, o ministro do Interior está no centro das críticas. Em plena crise, a sua intenção anunciada de "limpar" os subúrbios da "escumalha" que os habita foram incendiárias. Num artigo de opinião no Libération, o sociólogo francês Hugues Lagrange compara a linguagem de Sar-kozy à da polícia militar brasileira, afirmando que as suas declarações parecem referir-se mais a uma "limpeza étnica" do que a uma operação de prevenção. Estas afirmações tornaram Sarkozy no inimigo para muitos habitantes dos bairros problemáticos, apesar de terem si-do proferidas por alguém que defendeu o voto dos imigrantes nas eleições municipais e o recurso à discriminação positiva. Para Lagrange, isto prova "a duplicidade" de um ministro que "pretende, ao mesmo tempo, satisfazer um eleitorado tentado pelo populismo e aliar-se aos imigrantes".
8-Quais as consequências políticas desta crise? Esta crise revelou as tensões no Governo francês, apesar dos esforços do primeiro-ministro Dominique de Villepin para apresentar uma "frente unida". Conhecido como o "Senhor Segurança", o ministro do Interior fracassou na área onde parecia mais forte. A imprensa de esquerda garante que esta crise prejudicou a imagem do líder da União para um Movimento Popular (UMP), "queimando" as suas ambições presidenciais. Quanto ao Presidente Jacques Chirac, o El Mundo vê no facto de ter intervindo apenas uma vez um "sintoma de que não tem nada a dizer".
07/11/05
Rodrigo Cabrita escreve assim no DN:
Publicada por Zé Leonel à(s) 11/07/2005 07:15:00 da tarde
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário