11/05/08

Jornal da Guarda

Entrevista com ZÉ LEONEL (Fundador dos Xutos & Pontapés)

Zé Leonel foi fundador dos Xutos & Pontapés, embora tenha pertencido pouco tempo à sua formação. Mais tarde fundou outras bandas, entre as quais os Ex-Votos que gravaram uma série de álbuns. Foi um dos pioneiros do Punk Rock português, ainda nos anos 70. Concedeu-nos esta entrevista.

P:Como foram os primeiros tempos do Punk em Portugal, uma vez que tu estiveste envolvido no movimento, nomeadamente com os Faíscas?

R: Pois, o Punk, para mim, não me trouxe nada de novo. “A Família, a Igreja, a Polícia e o Estado são um quadrado.” – Isto era o lema Punk, mas antes do Punk já era o meu. Nunca vivi com pai e mãe, não era baptizado pela Igreja e por isso excomungado por ela, estava sempre a comer porrada da Polícia e o Estado nunca me defendeu. Por isso para mim não só era fácil ser Punk como dava cartas nessa área. Nos Faíscas era apenas isso, uma espécie de megafone entre o público a realçar as palavras de ordem (a minha função nos Faíscas era ser o “animador cultural”).

P:O primeiro concerto dos Xutos & Pontapés aconteceu nos Alunos de Apolo, na comemoração dos 25 anos do Rock’n’Roll. Como foi esse concerto, hoje mítico, já que se estreou a tua banda e aconteceu o último concerto dos Faíscas?

R: Foi algo que aconteceu, em 13 de Janeiro de 1979, a uma velocidade superior ao que a mente consegue processar. Sei que tocámos temas como: “A Tua Namorada”, “Não Me Chames Herói (Chama-me Nº 1)”, “Sexo”, “O Freak e a Freak”, “Sacaninha”…mas pouco me lembro mais. Por outro lado não me esqueço que consegui ir a umas escadas próximas dar uma queca na Cristina e que um repórter se zangou comigo por eu, em cima do palco, ter dito que comia a namorada dele.

P:O que achas do “cliché” que afirma que Rui Veloso é o pai do Rock português?

R:Francamente, quem é que liga a isso? Ninguém… Nem o Rui tem a culpa disso. São estratégias de “marketing” que caíram em cima dele mas que poderiam calhar a outro qualquer.

O boca doce é bom é bom é, mas quem é o boca doce?

P:A vida de músico era difícil nos anos 70 do século XX. O “boom” do rock português fez com que muito mais gente se interessasse pelo fenómeno. Qual é a tua opinião sobre o “boom”?

R: A vida nos 70’s era complicada, sim, mas verdadeira. Lembro-me de ir com um micro, um cabo e um amplificador de guitarra, no metropolitano a caminho da Escola António Arroio, e era isso que ia ser o meu P.A.

Com o “boom” as condições alteraram-se muito, mas a balda também. Dantes éramos músicos sem máquinas, hoje há muitas máquinas sem músicos.

P:Os Xutos & Pontapés conseguiram, numa carreira com quase 30 anos, um sucesso que mais nenhuma banda nacional conseguiu. Sentes orgulho por ter sido um dos fundadores dos Xutos?

R:Sinto orgulho de ter fundado a “chispalhada” (Xutos & Pontapés), mas também sinto por ter estado na génese dos Heróis do Mar e dos Peste & Sida e de ter feito os Amor de Perdição e os Ex -Votos, para além de dar as duas mãozinhas aos miúdos que começam agora. O Rock, para mim, não é um negócio; é uma opção de vida – o amor!

P:Os Ex-Votos estão numa espécie de “licença sabática”. Estará para breve o teu regresso à música e aos discos, com os Ex-Votos ou com outra banda?

R:Estou a trabalhar, eu estou sempre a trabalhar. Podem reaparecer os Ex – Votos, pode nascer o meu projecto final: Zé Leonel + IVA ou pode avançar outra coisa qualquer. As coisas aparecem quando eu sinto que fazem falta. Enquanto isso junto pessoal no estúdio e vamos descarregando a adrenalina e o amor pelo barulho.

P:Como vês, hoje, o Rock em Portugal?

R:Portugal tem dos melhores músicos do mundo conhecido. Os melhores músicos do mundo não se vendem, acho que têm a paranóia da prostituição, por isso o nosso Rock tem de tudo: -grandes personagens que serão historiados daqui a umas décadas e muitos, imensos, pára-quedistas que ganharão muito dinheiro, mas de que ninguém se vai lembrar no futuro.

O Rock, esse, façam o que fizerem, já conquistou a imortalidade; em todo o mundo.

P:Haverá alguma história engraçada das tuas andanças de músico que queiras partilhar com os leitores do “Nova Guarda”?

R:23 de Setembro de 1995, Plaza Real em Barcelona. Os Ex – Votos partilhavam o palco com os Coldplay num concerto inserido no BAM’95. No meio da actuação apercebo-me que uma quantidade de miúdas, vestidas de modo parecido, se começam a deslocar para o local por onde eu tinha de sair do palco. Quando acabou a actuação começo a fugir na direcção do hotel, mas quando percebo que elas também vêm a correr virei por uns atalhos na tentativa de lhes trocar as voltas. Algum tempo depois, estava derreado sem saber onde estava nem onde ficava o hotel. Entretanto, como eu não aparecia, os restantes músicos da banda chamaram a polícia. Mais tarde explicaram-me que as “groupies” em Barcelona viviam aquilo como uma espécie de profissão em que a ideia era sacar um artista e estar com ele o maior número de tempo possível, só para partilharem a vida dele. Para português, como eu, era estranho. Foi engraçado, pelo menos para mim, porque nunca me senti tão confuso.

5 comentários:

ARISTIDES DUARTE disse...

Grande Zé Leonel

Anónimo disse...

Olha este por aqui...Lembro-me bem dessa noite 13/01/79. Um frio do caraças. A sala vazia à espera dos fregueses para ver um concerto duns tipos medonhos com um nome a cheirar a sex pistols. Pensei, bem vou lá ver, ainda vou vou andar à trolha com alguém, não tinha dinheiro que chegasse pró bilhete. E estava tudo às moscas quando cheguei, não havia ninguém para entrar e o rapaz que estava à porta disse: não te vás embora, entras sim senhor. E pediu a toda a gente que ali estava (músicos e tal)uns trocos para completar o que me faltava. E foi assim que eu vi o primeiro concerto dos Xutos. Estas coisas a gente não esquece. Obrigada.

PS - Não, não sou a Cristina.

Zé Leonel disse...

Roserouge, fantástico este encontro, mesmo que no blog. Gostava de falar contigo muito mais por certo deves ter imenso para contar desses tempos e eu agora ando a recolher dados dessa altura, para dar continuidade à "Brava Dança" será que poderíamos falar?

Bjos

Anónimo disse...

Claro, como queres fazer? Para que email te posso escrever para trocarmos números de telefone e combinarmos um cafézinho?

Zé Leonel disse...

zeleonel@netcabo.pt