07/10/04

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Ainda Mal Começou...

Quinta-feira, 07 de Outubro de 2004

Os estragos provocados por este Governo ao fim de pouco mais de três meses ultrapassam as piores previsões dos mais pessimistas.

Apesar de não se conhecerem todos os detalhes das circunstâncias que rodearam a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI - e de provavelmente nunca se virem a conhecer -, a decisão do antigo líder do PSD, que implicou uma ruptura radical com um velho amigo a que o ligam laços de família, mostra que se ultrapassou um novo limite. E ultrapassou-se esse limite no momento em que na TVI, uma estação privada de televisão, se começou a perceber que os negócios que dependiam do Governo dificilmente iriam para a frente, se a estação mantivesse a assertividade crítica de alguma da sua informação e opinião. Isso não terá sucedido ontem, nem sequer depois das declarações de Rui Gomes da Silva: isso vem sucedendo há muito e mostra que persistem em Portugal dois males antigos que fazem com que sejamos uma democracia pouco liberal. Primeiro, porque as tentações de os governos controlarem a informação não desapareceram, antes recrudesceram com o actual Executivo, e o império da PT- criado sob o PS, alimentado e protegido pelo PSD - permite ter uma terrível arma de intervenção capaz de condicionar mesmo os grupos privados, na televisão e não só. Depois, porque em Portugal são raríssimos os empresários que não actuam em função das conveniências do Governo do momento, não só por dependerem do Estado, mas também por o Estado nunca ter liberalizado as regras da economia por forma a que tudo não dependa, em última análise, da mendigada rubrica de um ministro.

Chegámos agora a um dos momentos mais baixos deste círculo vicioso. De um lado, um governo acossado e fraco, desorientado e acéfalo, incapaz de resistir à tentação da manipulação e desesperado por não perceber que o mal não está em quem divulga as más notícias, mas em quem lhes dá origem: eles próprios. Do outro lado, elites que ou estão divorciadas da causa pública, ou estão concubinadas com os poderes - elites incapazes de perceberem aquilo que Jorge Sampaio recordou no seu discurso do 5 de Outubro: o fiasco trágico das elites políticas (mas também económicas) do Estado Novo e as consequências do fracasso da tentativa tardia de reforma durante o marcelismo. Essas elites sabiam que era necessário transitar para uma democracia pluralista e descolonizar, mas falharam quando chegou altura das reformas necessárias. Bloquearam, intrigaram e não conseguiram tirar o país do beco em que se encontrava.

Ora é essa situação em que muitos portugueses já se sentem hoje e alguns dos que se iludiram com a experiência marcelista há anos que sentem que estamos a caminhar de novo para um abismo.

Com uma agravante: o nível intelectual e cultural dessas elites, quer das que chegaram a pensar que era possível a transição gradual, quer nalguns casos das que eram genuinamente autoritárias, era infinitamente superior ao de muitos daqueles que desgraçadamente nos governam. É trágico - lancinante mesmo - ter de admiti-lo, mas depois de se assistir a uma demonstração de iliberalismo democrático como a dos últimos dias (que é a ponta do icebergue do mal-estar que se vive em muitas redacções) e de ninguém ter porventura dado a atenção devida a tudo o que disse terça-feira Jorge Sampaio, na actual crise o risco de ruptura e declínio é porventura bem maior do que a oportunidade de mudança e de progresso. Daí o receio: ainda não batemos no fundo.

José Manuel Fernandes


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