08/02/08

E tu já começaste a fazer as malas?

É assunto há muito discutido mas que tende a tomar proporções enormes a uma velocidade galopante. O país está perdido, não tem dinheiro, não tem credibilidade, não tem segurança nem futuro. Os homens que fazem fortunas aproveitam como se o tempo estivesse a acabar para contabilizarem o mais possível, não permitindo controlo nem nada que lhes dificulte a roubalheira. Por isso ninguém consegue falar na corrupção nua e crua, não se diz que é mentira mas arranjam-se etiquetas para o fenómeno. São cunhas, são atenções, são gorjetas, são pagamentos merecidos, são avenças, são abonos, são gratificações, são lembranças, são subsídios, são reformas, são um nunca acabar de tretas a distorcer a verdade. Quem manda no dinheiro tem a consciência que toda a gente sabe que grande parte dele é ilícito e por isso tenta dividir a ilicitude com quem lhes oferece a força do trabalho. Grande parte dos trabalhadores desconta para o estado sobre um ordenado de 500/600€ mesmo que receba 1500 ou 2000. O estado sabe mas não se importa, não se pode importar, porque ou deixa que o enganem assim ou tem mais uns quantos no desemprego a quem tem de pagar. Está refém. Conheço empresas onde trabalhei e recebia, na altura, 350 contos por mês, que me declaravam 73 contos no ordenado. Ao fim do mês além do recibo de ordenado tinha mais um molho de papelinhos para assinar: bónus de assiduidade, subsídio de deslocação, de representação, de refeição, comparticipação nos lucros, etc... Sempre que protestava mostravam-me a porta da rua ou, quando fui muito necessário, passei a ter na folha de ordenado 150 contos e não recebia mais nada, e aí era eu que procurava a porta de saída. Estou a falar de há 15 anos atrás e, daí para cá, nada se alterou. É claro que quem trabalha nessas condições e ainda não está aposentado não dá grande importância ao assunto. E o estado, via Segurança Social, agradece de novo.
A educação não tem ponta por onde se lhe pegue, e como estamos na Europa, ainda vamos ter licenciados sem saber ler nem escrever. O necessário é licenciá-los, mostrar que temos sucesso. Os professores sentem isso como ninguém, numa centena de alunos têm 10 preparados mas são obrigados a passar 60, senão eles próprios não passam da cepa torta. Ensinar/aprender é algo que deixou de ser importante, o que importa mesmo é mostrar à Europa que temos sucesso escolar. Vergonhoso é que se há professores para quem isto é um crime e se queixam diariamente, outros há a quem isto dá um jeito do caraças. O Estado, entretanto, vai penalizando os queixosos a bem das estatísticas europeias.
Na Justiça, nos tribunais, nas polícias já ninguém acredita e são mesmo os juízes, advogados, directores a demonstrarem esse descrédito. O Estado, enquanto o mundo não o incomodar com isso, deixa andar. E deixa andar porque é perigoso, porque precisa de ilegíveis, porque se a justiça funcionasse a ingovernabilidade ainda era maior. Porque cada ministeriável apanhado custa muito dinheiro, pode falar, pode acusar, sabe sempre demais.
Na saúde o panorama é aterrador, caminha-se para a ideia de que não é o dinheiro que falta, nem os médicos, nem as ambulâncias, nem as macas, nem os hospitais, nem os postos de saúde. O que há a mais são pessoas: que duram mais tempo, que fumam, que bebem, que se engripam, que comem e que, ainda por cima, não querem estar doentes. Mas a verdade é outra, a verdade é que o sistema nacional de saúde não comporta tantos aldrabões sejam doentes, médicos, empresários, gestores ou vendilhões. O país, nenhum país, tem dinheiro para tanto.
Ninguém aguenta isto e os últimos anos são a imagem perfeita do que estou a dizer. O Guterres deu à sola, o Durão Barroso idem, o Santana Lopes fez tudo para ser empurrado e este, o actual, deve estar a fazer as malas. Curiosamente quando aparece alguém com vontade de mudar o curso dos acontecimentos, alinhamos todos a fazer-lhe a cama. Nós somos assim? -Não. Fizeram-nos assim.
E tu já começaste a fazer as malas?

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